Avengers: Random & Fandom - Quem tem medo do elitismo cultural?

"No início da minha carreira, o jornal The Village Voice fez uma caricatura minha que me magoa até hoje quando penso nela. Era uma imagem minha comendo dinheiro. Partia do princípio de que se ficção vendia muitos exemplares, era ruim. É a ideia de que se algo é acessível a muita gente, tem que ser idiota, porque a maior parte das pessoas é idiota. E isso é elitista. Não compro essa ideia.".
Stephen King, em entrevista a Rolling Stone.



A coluna de hoje foi inspirada por um print de um tweet que, sinceramente, me deixou bem revoltada e culminou  na ideia para esse texto da coluna:



O elitismo cultural é algo que me incomoda bastante, e escrever sobre isso é também um exercício de auto-crítica, porque ainda sou bastante preconceituosa, em um certo nível, pois somos criados numa cultura que nos condiciona a isso.

O que é elitismo cultural e o que filmes de herói tem a ver com isso? 

A resposta a primeira pergunta é aquela ideia de que algo é culturalmente mais válido e mais importante, melhor em todos os aspectos, quando está restrito a um certo público. É acreditar que tudo que é cultura popular (que é diferente de cultura de massa, veja bem, logo mais explico) não presta. São aqueles ditados populares enraizados na nossa boca: "Funk não é cultura", "Novela é coisa de alienado", "Filme de super herói é idiota e coisa de criança", "Crepúsculo é coisa de alienado".

A ideia de que algo é melhor por ser restrito a um certo público não é casual; vincular a cultura popular a "não cultura" ou ignorância, tem a ver com tirar o poder das manifestações populares e negar sua condição enquanto poderosos veículos culturais e negar sua capacidade e impactos sociais enquanto transformadores do público que o consome. 

Dizer que filmes de super heróis, baseados em HQs, não são "cult" é negar a possibilidade e a capacidade crítica de seu público consumidor. É negar a relevância e o impacto social dessas produções não só na história cinematográfica, mas na própria sociedade que a consome. 

Os filmes da Marvel em especial são criticados por serem blockbusters, ou seja, de faixa etária baixa ou livre e  supostamente para toda a família, supostamente focadas na produção comercial. Porém vale lembrar que fatores históricos e sociais estão representados em todos os filmes, como a luta entre o Eixo e os Aliados, presente de forma conotativa em Capitão América. Eu acho o Caveira Vermelha um personagem TÃO f*didamente genial, por que de fato, Hitler e seus asseclas tinham estudos em misticismo de diversas culturas e religiões orientais para justificar suas ideias de superioridade racial.



Entrando no campo das séries da Marvel, realmente, não tem como alguém negar a genialidade de Daredevil/Demolidor. Eu assisti lentamente a primeira temporada pra poder digerir todos os conceitos ali presente, desde o maniqueísmo cristão até a questão corpo-home/corpo-cidade, a relação paternalmente freudiana do herói e do vilão, a relação homem-ringue e questão de Artes Marciais, espaço e representatividade de grupos marginalizados e tantos assuntos atuais, socialmente relevantes e explorados de uma maneira absurdamente genial e densa, que davam uma tese de mestrado e doutorado brincando de pira, com uma mão só, tudo isso sem deixar de ser divertido e comercialmente viável. 


Não posso, porém, encerrar essa coluna sem fazer uma auto-crítica e um esclarecimento. 

Confesso que eu tinha muita raiva e caía no senso comum ao julgar produtos como 50 Tons de Cinza e Crepúsculo. Não gosto até hoje, mas eu busco ser crítica, muito do que eu vejo aí vai contra meus valores pessoais e subjetivos. Ninguém é obrigado a gostar absolutamente tudo da cultura popular. Porém eu tenho meus motivos bem pautados e meus argumentos são fruto de uma reflexão e uma investigação sobre essas obras. Contudo, eu não condeno mais quem gosta e acho que as pessoas são livres para consumir culturalmente o que quiserem, desde que esses produtos não reproduzam discursos de ódios e esteriótipos ofensivos. Também admito hoje em dia que há muitos aspectos interessantes e dignos de estudo acadêmico nessas obras, inclusive, há maravilhosas teses acadêmicas sobre Crepúsculo, tanto defendendo quanto criticando negativamente. Elas também carregam em si muitos aspectos sócio-culturais dignos de nota e hoje em dia eu tenho maturidade pra reconhecer isso a despeito do meu gosto pessoal e da minha personalidade.

Acho que, o fundamental, para tudo é ter visão crítica. Julgar a cultura popular como algo sem sentido e sem valor cultural é perigoso e perpetua padrões sociais elitistas e um pensamento que nega ao povo seu direito nato enquanto consumidor consciente e juiz do que está consumindo. Claro, há muitos produtos na cultura popular que são manipulados a serviço do capitalismo neo-liberal e conservador (essa é a chamada cultura de massa, que está a serviço do neo-industrialismo), mas esses produtos não são maléficos ou alienantes por si só, eles são manipulados por instituições e pessoas com objetivos claros nesse sentido. 

Mas nem tudo na cultura popular é alienante, estamos vendo uma onda de novelas, séries de TV, músicas e outras produções dando vozes a grupos marginalizados. A Marvel está entrando nessa e eu realmente espero MUITO da Guerra Civil e dos próximos filmes (como do Pantera Negra e da Capitã Marvel) nesse sentido.

Então, da próxima vez que for julgar a cultura popular, pense um pouco se você não está perpetuando padrões para inferiorizar a capacidade cultural e mental dos seus semelhantes.

Afinal, quem tem medo de elitismo cultural?

Eu tenho.

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