Meu fave é problemático: e agora?



Se você clicou aqui, presumo que tem um ídolo no cinema, na televisão, na música, no esporte, literatura, Youtube, em qualquer outra área.

Acompanhe comigo a situação desta pessoa hipotética: ela segue cada passo do ídolo, assiste e lê todas as entrevistas – mesmo se precisar do Google Tradutor, segue todos os perfis nas redes sociais, vibra com cada novidade que surge, seja um projeto novo ou um Stories no Instagram. Seu avatar nas redes sociais é uma foto deste ídolo. Ela fala dele sempre, diz que é perfeito, maravilhoso, único, inigualável, um anjo, uma entidade cósmica, o tal do cantado em verso e prosa “Beautiful Cinnamon Roll Too Good For This World, Too Pure.


Só que, num belo dia, isso cai por terra. O ídolo fez um comentário racista ou machista, ou brigou na balada, agrediu alguém, ou xingou um fã, ou aceitou um papel que era pra ser de outra etnia, ou é de direita, ou é de esquerda, ou é ateu, ou é da religião X, ou assediou alguém, ou namorou/casou com alguém você odeia, defendeu o indefensável, traiu o companheiro (a), fingiu ser algo que não é, ou fez piada com coisa séria, ou falou uma merda qualquer, fez algo com o qual você não concorda. Seu fave é problemático.
E agora? O que fazer? Andei pensando sobre o assunto e tentei elaborar uma série de tópicos que podem servir de orientação nesse momento difícil. Este não é um guia definitivo, mas algo que escrevi baseada na minha própria experiência.



Repita comigo: “Eu não conheço XXXXX”

Em “Você não conhece seus ídolos”, Gabriela Rosa alertou que o recorte que temos da mídia jamais revelará quem eles são de verdade, como ela diz no título do post. Relembre este trecho:

E aí que nós não conhecemos, nem conheceremos nunca os nossos ídolos em sua totalidade. O que vemos, amamos, nos identificamos com são simulacros, traduzidos e trazidos para nós por meios de comunicação que editam e selecionam o que é mais interessante, aquilo com o qual poderemos ao mesmo tempo nos identificar e desejar. E tem algum mal nisso? Não se você reconhecer que aquilo que está na sua frente não é o que a pessoa é na verdade. (...) Mais uma vez, vou defender que é libertador ver essas pessoas apenas como pessoas.

Apesar de não conhecer, é importante considerar que seu ídolo tem uma coisa em comum com todo mundo, inclusive com você: ele é um ser humano! Com todas as neuroses, defeitos e necessidades que todos nós temos, em maior ou menor intensidade.

"Quem diabos é você?"

Essa pessoa está sujeita a todo tipo de falha, e você não tem QUALQUER controle ou poder sobre isso. Tudo que sabe sobre ela passou por um filtro. Então, imagine-se tirando seu ídolo do pedestal onde você o colocou e olhando-o nos olhos.

Mas eu depositei toda minha fé nele!


Isso é uma coisa muito perigosa e só causa sofrimento. Quando um ídolo “cai”, as reações vão do ódio furioso ao choro incontido. A sensação é de ter sido traído. “Nunca mais vou confiar em ninguém”, “ninguém presta”, “te odeio, Fulanx”, “Fulanx está cancelado”. Ou o fã entra em fase de negação, quando se recusa a acreditar que tal coisa aconteceu. “Ele jamais faria isso (a palavra COMIGO talvez apareça aqui), é mentira”.
"Confiança é como um espelho - você pode consertar se estiver quebrado, mas ainda vai conseguir ver uma rachadura na porcaria do reflexo"

A sensação de traição vem do fato de que o ídolo, mais do que alguém que você admira, é alguém que te REPRESENTA. Como se aquela pessoa fosse seu avatar. Ela representa seus ideais, um estilo de vida, as coisas nas quais você acredita, o que você valoriza. É seu escudo, seu passaporte de entrada em vários grupos, até na vida social, on ou off-line.

Nossa relutância em ter uma conversa aberta e sincera sobre as falhas das celebridades que amamos vem de um fato simples: nos enxergamos nelas. Se sua celebridade favorita é inteligente, talentosa e bem-sucedida, mas também pode ser classista, sexista ou racista, o que isso diz a respeito de você? Bem, diz que você pode ser classista, sexista, racista, homofóbico ou transfóbico.

Mas você pode ser, e é, algumas dessas coisas, às vezes. Eu também. Assuma. Aprenda. Não é um ataque, é a verdade. Ninguém é um exemplo perfeito de virtude. Se você não está fazendo nada errado é porque não está tentando. (Ijeoma Oluo, citada em "A complexidade do luto por um ídolo acusado de abuso sexual", de Aida Manduley)


Há também quem considera que o ídolo é o ser ideal, é uma tábua de salvação em meio a este mundo tão confuso e agressivo. É a única coisa que prova que nem tudo está perdido, já que “meu ídolo existe e ele é maravilhoso e impecável”. 


Mais uma vez: não caia nesta armadilha. Admirar sim, idolatrar cegamente, não. Como é que você bota a mão no fogo por um, grosso modo, desconhecido? É difícil botar até para os conhecidos!


Vou xingar muito no Twitter

Pode ir, mas, antes de falar qualquer coisa, procure saber bem o que aconteceu, dentro das possibilidades. Enquanto você respira fundo e conta até 100, pesquise.

Procure sabe se aquilo realmente aconteceu e como aconteceu, leia muito, assista. Assim você vai conseguir se posicionar com qualidade, sem se tornar apenas mais um ruído na multidão furiosa ou falar besteira.

Aconteceu? Reconheça. Não faça vista grossa. E atenção com o que você fala. O que nos leva ao próximo tópico.



Quero tirar satisfação!

Assim como você não conhece seu ídolo, ele não te conhece. Então, não chegue na casa (mentions) dos outros metendo o pé na porta, gritando e quebrando os móveis.

Diariamente convivemos com gente “problemática” e, olha só: vai ser assim pra sempre. Duvido que você já virou a mesa da ceia de Natal no chão quando sua tia falou o que não devia, ou sua mãe, seu pai, seu chefe. Como você se comporta nessas situações?

"Eu quero poder te olhar e não me sentir tão ferido por você"

Se você ainda se importa com seu ídolo e acredita que ele possa se educar e melhorar, use os meios existentes para se comunicar com ele, dizer que está errado e explique o motivo. Conscientize.  Se nada mudar não se culpe. Você fez sua parte como fã e, sei lá, cidadão?

E, por tudo que é mais sagrado, não ofenda ou diga para a pessoa se matar.

1) Responder com mais agressividade te coloca no mesmo nível do agressor.
2) Preciso falar que é errado incentivar a morte de alguém?



Se me atacá, eu vou atacá

Meu primeiro conselho é não entrar em briga, mas, já que você entrou... Se esforce pra não baixar o nível. Entendo que você, no fundo no fundo, mas do que defender seu fave, está defendendo a si mesmo – lembra do segundo tópico? Ao mesmo tempo, na prática, vocês estão brigando por alguém que nem sabe de “vossa” existência. Enquanto isso, está um belo dia lá fora e a vida continua.

"Ah, menina, eu vim pronta pra briga!"

Já tem tanto barraco na internet, é no post no Facebook, nos comentários dos sites, no grupo da família no WhatsApp. Não é melhor conversar civilizadamente, já que o fandom todo vai estar no mesmo barco? Pelo menos ouça o que os outros têm a dizer. Ouça as vozes dissonantes.



Meu fave tem salvação?

Falando apenas do fave problemático, que geralmente falou o que não devia ou tem uma posição errada sobre algo, talvez tenha. Da mesma forma que este problema pode ser a ponta de um iceberg, revelando que seu ídolo na verdade é alguém muito escroto, pode ser apenas o caso de uma pessoa legal que deu um vacilo.
"Desculpa"

Agora, saiba que quem é aplaudido quando faz uma besteira, blindado pelo "fandom incondicional", pelos "fãs de verdade", quem nunca tem a atenção chamada, fica do mesmo jeito e acha que está certo. Claro, porque "milhares de pessoas não podem estar erradas”...




Continuo apoiando ou não?


Se você vai continuar seguindo ou não seu fave problemático, a escolha é sua. Depende do quanto aquilo te atingiu, dos seus valores, das suas crenças, do que você considera imperdoável ou não, do que é certo ou errado. De quem você é.

Esse tipo de situação, por mais desagradável que seja, também serve para refletirmos sobre nós mesmos. Sobre o que acreditamos e toleramos. Nos torna pessoas mais conscientes.

Sim ou não, cabe a você decidir, assumindo as consequências de cada escolha.



Pra finalizar


Vou repetir uma coisa que comentei no ano passado sobre esse tipo de situação. Acho que colocamos muitas expectativas em quem, na crua verdade, não conhecemos.Ao longo da vida, você vai se decepcionar com muita gente. Ou então descobrir algum defeito, alguma coisa que vai te desagradar, grave ou não. E isso de quem você conhece de verdade! Então, não pense que seu ídolo é o melhor do mundo. Você não conhece essa pessoa. Que é uma pessoa qualquer, inclusive.

Experimente gastar essa energia que você deposita ou depositou no seu fave fazendo o bem. Pegue este esforço e trabalhe para ser uma pessoa melhor, com os valores que você tanto admira nos outros. Faça as pazes consigo mesmo, na medida do possível, com a tranquilidade de saber que ninguém é perfeito.
Pense nisso!

Um comentário:

  1. Concordo plenamente com você eu já me decepcionei com a grande maioria dos meus ídolos assim como me decepcionei com as pessoas que eu já conheci e até comigo mesma na realidade celebridades são tão humanas quanto nós só que esquecemos disso por isso que a idolatria é tão nociva o melhor é só gostar do trabalho e não pessoa em si

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