MCU Revisitado: Homem de Ferro 3





A sensação pós-abril de 2012 era de que nada poderia dar errado. Quase um ano depois da estreia de Os Vingadores, o hype era uma constante entre os fãs da Marvel Studios. A piada na época era que eles poderiam produzir qualquer coisa que a gente assistiria. Era de se esperar que, como se diz hoje, o povo estava “sedento” pelo lançamento de Homem de Ferro 3, em abril do ano seguinte.



Jon Favreau, diretor dos outros dois filmes, desta vez ficaria só na frente das câmeras como Happy Hogan, dando lugar a Shane Black, cineasta famoso por Máquina Mortífera. Ele também dirigiu o cult Beijos e Tiros, um dos filmes que ajudou Robert Downey Jr. a voltar às telonas no início dos anos 2000 (como você pode imaginar, teve um empurrãozinho do Rei Roberto na escolha). Um cara com tanto currículo, obviamente, faria um ótimo trabalho. Além de dirigir, ele também assinou o roteiro do 3º filme do personagem mais popular do MCU.




O primeiro pôster de Homem de Ferro 3 mostrava Tony diante de várias armaduras. Influência de Ivan Vanko? Em outra imagem, em pânico, ele caía do céu com a armadura parcialmente em chamas. Ainda tem aquele outro pôster em que Pepper segura o capacete de Tony, quase dividido ao meio, mas com os olhos estranhamente acesos. A cena do filme foi inspirada em Viviane Senna segurando o capacete do irmão, Ayrton, no velório dele em 1994. Pesado, pensamos.

Depois saiu o pôster do Mandarim, vivido pelo oscarizado Ben Kingsley. Ele usava uma túnica ou quimono, com uma calça de estampa camuflada, barba comprida e coque samurai. Sentado em uma posição relaxada, mas imponente, ele olha diretamente para você, enquanto ajeita os óculos escuros. Ao redor há incenso, dragões, um capacete. Fãs passaram horas e horas analisando os elementos da imagem, cavando referências. Em uma época em que o noticiário internacional era dominado por notícias de facções terroristas e seus líderes, o vilão Mandarim foi bem festejado. Saía o estereótipo do “Fu Manchu” dos quadrinhos, que ainda tinha muita magia envolvida (embora haja quem prefira aquela versão), e entrava a “crítica sócio-política foda”. A Marvel era corajosa, pensávamos. Acabou o reinado do Loki melhor vilão, ousamos dizer.
Veio o trailer e tínhamos certeza que o Homem de Ferro estava lascado, a casa desmoronando e caindo no mar, armaduras destruídas, as “lições” do vilão. “You’ll never see me coming”. E aquele coelho gigante? Meu Deus, a Pepper estava grávida!? Ela era arremessada longe. Tragédia! Gravamos um vídeo reagindo ao trailer, quando isso ainda era uma novidade. Todas gritando, arregalando os olhos, aplaudindo ou soltando um palavrão. Eu tenho uma foto ao lado do pôster do Mandarim tirada semanas antes da estreia, fato do qual não me orgulho.  

Quando a pré-venda de ingressos começou, comprei logo dois: um para a estreia, na sexta-feira, e outro pro sábado. CLARO que eu queria ver duas vezes. Como não? A primeira seria com a Gabriela, colega de Vingadores da Depressão, a Ravs, do Chris Hemsworth Brasil, uma outra amiga, e os seguidores do blog que aparecessem. Dias mais tarde soube que uma estava lá, mas nos desencontramos. A sessão de sábado seria com um amigo e o meu irmão. Queria fazer como Os Vingadores: pegar carona com quem estivesse assistindo.

Todo mundo devidamente uniformizado com suas camisetas, sala lotada, apresentações feitas. As luzes se apagam, voz do Tony entra em off, armaduras explodem, e as logos da Paramount e da Marvel Studios surgem na tela ao som de Eiffel 65. Não tinha como um filme começar assim e dar errado.

Mas deu.

Este aqui é o ponto onde você que gostou desse filme, não curte opiniões contrárias e está saturado daquela discussão de 2013 deve abandonar a leitura. Porque ontem, após cinco anos, revi Homem de Ferro 3 e não fiz as pazes com ele.

Na época do lançamento, o RDJ Brazil lançou um projeto para as pessoas mandarem vídeos comentando o que acharam do filme. Saindo da sessão, Ravs e eu gravamos completamente indignadas. No nível “fãs descobrem cancelamento de Lady Gaga no Rock in Rio 2017 em frente ao hotel”. Como você deve imaginar, ele nunca viu a luz do Youtube. Ainda bem. Aproveito pra me desculpar com a Larissa Reis que teve que assistir.

Pense nas 24 horas seguintes, em que tive que ficar caladinha sobre o filme com as outras duas pessoas que veriam comigo no sábado. Eu estava arrasada, mas não podia prejudicar a experiência deles. Talvez eles gostassem. E se eu assistisse de novo e não achasse tão ruim? Quem sabe o problema fosse eu?

No entanto, eles também não ficaram nada felizes. E ainda custamos pra voltar pra casa porque era muito tarde e não conseguíamos pedir um táxi. O dinheiro que gastei naqueles dois dias não volta nunca mais.

As próximas semanas, meses, seriam com o fandom mais dividido do que grupo de WhatsApp da família em época de eleição. Era um misto de decepção, raiva, sensação de traição, gente achando genial, gente defendendo o filme só por causa do Robert Downey Jr, brigas.  

Digamos que até a primeira meia hora, 40 minutos, Homem de Ferro 3 parecia promissor. Só que depois que ele cai no Tennessee, o filme vira qualquer outra coisa.



Vou começar a falar sobre o principal ponto da indignação coletiva que se estabeleceu: o Mandarim era uma mentira. O terrorista que ordenava ataques dentro dos Estados Unidos, com explosões misteriosas, que quase matou Tony Stark e ameaçava o presidente era um ator decadente e viciado contratado por Aldrich Killian (Guy Pierce), o verdadeiro vilão, para ser a linha de frente dos crimes. O plano dele era matar o líder do país para que o vice (eu não lembrava que era o finado Miguel Ferrer da série Twin Peaks), comprado por ele, assumisse.

Esta era a grande plot-twist do filme. O Mandarim ridicularizado. Tudo que eles tinham vendido nos trailers e entrevistas era uma pegadinha. Não tenho nada contra viradas de roteiro, mudanças repentinas. Surpresas na ficção são mais do que bem-vindas, mas o que eles fizeram com o Mandarim foi enganar o público da pior maneira possível. Imagine então os fanboys quando viram um vilão clássico do Homem de Ferro ser transformado em uma piada de roteiro?

Os roteiristas se acharam gênios, mas a história repercutiu tão mal, mas tão mal, que os extras do Blu-ray de Thor: O Mundo Sombrio vieram com um curta chamado All Hail The King (Todos Saúdem o Rei), um falso documentário mostrando o ator Trevor Slatery, o Malandrim (como nós chamávamos na época) na cadeia e DANDO A ENTENDER que o Mandarim existe sim, só não era ele. Eu nunca tinha assistido ao vídeo até hoje. Foi assumidamente uma tentativa de acalmar e se redimir com os fãs, mas ele não teve a terça parte da repercussão do filme e anos depois a gente vê que a história não rendeu e nem vai render, já que possivelmente não teremos mais filmes solo do Homem de Ferro. Além disso, o vídeo tem um humor meio equivocado... Você pode assistir legendado aqui.



Como disse antes, o verdadeiro vilão do filme é Aldrich Killian. Se você acompanha o Vingadores da Depressão sabe que tenho um problema sério com vilões de motivação besta, e ele não foge à regra. Todas as ações dele se baseiam em ter levado um bolo de Tony Stark na noite do réveillon de 1999 para 2000. Ele entra na história como um cara esquisito, pouco articulado, inconveniente, enfim, completamente o oposto de Tony, mas com um cérebro afiadíssimo. Era aquela dinâmica do nerd tentando se aproximar do bully. A garota fracassada vs. a popular.

O fundador da Ideias Mecânicas Avançadas (IMA) queria propor uma parceria da sua recém-aberta empresa de tecnologia com a Stark Industries. Muito educada, a cientista Maya Hansen (Rebecca Hall), nova conquista do Tony, aceita o cartão dele e diz que vai entrar em contato. Tony promete se livrar da festinha no apartamento para se encontrar com Killian no telhado do hotel para conversar seriamente sobre a ideia. O que, obviamente, nunca aconteceu. Então, lá do alto da torre, se sentindo humilhado, diante dos fogos da virada do ano, Killian resolve se vingar.

Você já assistiu ou leu 300? Lembra do Efialtes procurando Leônidas para se juntar ao exército espartano, o que é não lhe é permitido? Lembra o que ele faz depois? Há semelhanças?

Anos depois, Aldrich Killian volta. Rico, metido a galã, com a cara do Guy Pierce e aquele bronzeado laranja. Ele vai apresentar o projeto Extremis à Pepper (que já conhecia a figura de carnavais passados), tenta seduzi-la e tudo mais. Killian diz que é possível mexer em uma área do cérebro para que o corpo evolua. Nos quadrinhos, o Extremis era um vírus capaz de unir Tony Stark à sua armadura. Nos filmes, era um experimento que dava poder ao corpo humano de se reconstituir, inclusive membros amputados, só que, como efeito colateral, explodia.

Enfim, o negócio dele era criar a demanda (terrorismo), aproveitando para eliminar o presidente e, no processo, destruir Tony Stark, inclusive roubando ou matando a mulher que ele amava.

Isso tudo por causa de um bolo. Me ajuda aí.




Existe um padrão nas trilogias do MCU até agora, talvez parte da tão falada “Fórmula Marvel”: o primeiro filme apresenta o herói, o segundo consolida o herói e o terceiro e último desconstrói o herói. Acompanhe comigo:

Capitão América: O Primeiro Vingador apresenta Steve; Soldado Invernal mostra que o herói continua existindo independente do governo e da corrupção na SHIELD; em Guerra Civil, ele luta pelo que acha certo e... abandona o escudo.

Thor é o herói em formação; O Mundo Sombrio consolida o herói a despeito do príncipe, que abdica ao trono para proteger a Terra e viver com sua amada; em Ragnarok, ele perde tudo (pai, Mjolnir, Asgard, um dos olhos), muda de visual, descobre novas habilidades e termina o filme herói, rei e refugiado intergalático.   


Em Homem de Ferro, conhecemos Tony Stark; em Homem de Ferro2, ele evolui a armadura e o reator ARC, ficando mais forte; em Homem de Ferro 3, ele perde a casa, armadura, é dado como morto e precisa se virar. Só que o processo é muito tosco.




Tony fala que quer proteger a Pepper, cria armaduras dia e noite com medo de novas ameaças, mas surta e dá o endereço de casa para o terrorista. Bota toda a fé dele em uma armadura que não funciona (sendo que no final do filme ele consegue chamar as outras que estavam lá nos escombros da mansão em Malibu, perfeitinhas). Tony ainda dá uma de Batman e começa a investigar os ataques do Mandarim, bem detetive mesmo. Depois continua sem armadura, sem Jarvis e sem cartão de crédito pra gente ver que ele é foda porque tem preparo (MacGyver). Mas esse insight vem de uma criança de 10 anos. Criança de 10 anos esta capaz de curar (!!!) transtorno de estresse pós-traumático (TEPT) por telefone (!!!!!!!!!!!!). Esta semana fiquei sabendo da polêmica da personagem da novela das nove se tratando com coaching e lembrei de Homem de Ferro 3.


Vou parecer muito chata em comentar que Tony Stark é um ex-fabricante de armas que não sabe atirar direito?





E o tempo inteiro Shane Black quase refilmando Máquina Mortífera. Homem de Ferro 3 se passa na época do Natal, o que ele faz questão de te lembrar a cada 15 segundos mostrando uma musiquinha ali, uma (centenas) árvore de Natal acolá. E o final, com a dupla de amigos Tony e Rhodes tentando salvar o dia atirando nos bandidos entre contêineres e navios, IGUAL a Martin Riggs e Roger Murtaugh no segundo filme. Tony fica fazendo às vezes de Mel Gibson (meio kamikaze depois da morte da mulher) quando pensa que a Pepper está perdida para sempre. Inclusive, até ali tinha árvore de Natal.


Até hoje tem gente reclamando que as piadas quebram cenas dramáticas nos filmes da Marvel, mas absolutamente nada se compara a Tony chamando a infame Mark 42 pouco depois de ver Pepper “morrer” na frente dele e a armadura se partir em mil pedaços na frente do vilão, como um brinquedo de Lego.





Falando na Pepper, eu gosto da cena em que ela sai do fogo com o Extremis, pega a manopla da armadura no ar e mata Aldrich Killian. No filme, Tony diz que “resolveu o problema da Pepper”, e que “deu trabalho”. Agora fiquei na dúvida se ele conseguiu remover o Extremis do organismo dela ou se encontrou uma forma de controla-lo ou adormecê-lo. E aí?




Agora, com o teaser de Vingadores: Guerra Infinita no Super Bowl, tivemos um vislumbre do que parecer a armadura do Homem de Ferro seunindo de forma mais “orgânica” ao corpo de Tony, como o Extremis devia ser. Seriam os irmãos Russo, mais uma vez, consertando os erros dos filmes que não fizeram?

O filme termina com Tony Stark destruindo todas as armaduras e removendo os estilhaços da explosão que o obrigavam a usar o reator no peito. Por que ele não tinha feito isso antes, né? O tempo todo diziam que o procedimento era impossível e alguns segundos jogam tudo isso pela janela. Apesar de tudo, Tony conclui que ainda é o Homem de Ferro. Corta para 2015 e descobrimos que ele construiu tudo de novo, mas isso é assunto pra daqui a algumas semanas.

Apesar da recepção dividida, Homem de Ferro 3 passou da casa do 1 bilhão nas bilheterias e foi o filme que mais arrecadou em 2013. O hype, como eu disse lá no começo, é poderoso.

Revendo o filme após todos estes anos, e descobrindo que ainda não gosto dele, só reforçou uma coisa: pra mim, a cena pós-créditos em que Bruce Banner estava dormindo enquanto Tony conta essa história toda ainda é o ponto alto do filme e a que melhor me representa em relação àquelas mais de duas horas.  

FICHA TÉCNICA

Homem de Ferro 3 (Iron Man 3)
Direção: Shane Black
Roteiro: Drew Pearce, Shane Black. Baseado nas obras de Don Heck, Jack Kirby, Stan Lee, Larry Lieber, Warren Elis e Adi Granov
Elenco: Robert Downey Jr, Gwyneth Paltrow, Don Cheadle, Ben Kingsley, Guy Pierce, Rebecca Hall, Jon Favreau, Paul Bettany, Ty Simpkins…
Duração: 2h10
Estreia no Brasil: 26 de abril de 2013
Estreia nos EUA: 3 de maio de 2013
Orçamento: US$ 200 milhões
Bilheteria: US$ 1,2 bilhão
Prêmios e indicações: clique aqui
Fonte: IMDB, Box Office Mojo, Wikipédia

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