MCU Revisitado: Guardiões da Galáxia





Desta vez, enquanto revia Guardiões da Galáxia, a cena em que Peter não estende a mão para sua mãe no leito de morte e entra em desespero me deu arrepios e quase me levou às lágrimas. Em 2015, um ano depois da estreia desse filme, perdi uma amiga também em uma cama de hospital. Se você já passou por algo assim, a reação ao ver o prólogo é infinitamente mais forte. Em um filme tão fantasioso e cheio de cores e cenários deslumbrantes, James Gunn retratou uma das dores mais reais que existe e é como levar um soco. Essa característica permeia o modo como ele conta as histórias deste grupo, talvez comparável ao trabalho de Guilhermo Del Toro: é a realidade te encarando de volta pelos olhos do monstro... ou de um pirata espacial.

Anos depois de perder a mãe e ser sequestrado por alienígenas, encontramos Peter Quill como um membro dos Ravagers (ou Saqueadores): piratas espaciais com direito a uniforme, código de conduta e tudo mais. Enquanto os créditos iniciais aparecem na tela, ele dança em meio às ruínas de um planeta destruído e habitado por criaturas hostis. Peter parece não ligar, e você imagina que superou tudo, todos os traumas, e que está muito melhor lá do que estaria aqui.

Se esta última é verdade, jamais saberemos. Mas GotG é um filme sobre pessoas quebradas, e sempre haverá uma parte de Peter que se liga à infância terrestre e à morte da mãe, Meredith. Sua nave se chama Milano (em homenagem à atriz Alyssa Milano, crush dele nos anos 80), decorada com adesivos e objetos da época. Ele também mantém a paixão por música, herdada da mãe, e conseguiu manter seu walkman funcionando. Nos fones de ouvido, num eterno repeat, a Awesome Mix Vol. 1. Antigamente, antes dos Spotifys da vida, era comum presentearmos as pessoas com fitas ou CDs de músicas selecionadas especialmente para elas. Geralmente era tudo gravado do rádio e morríamos de ódio se a vinheta do programa entrava no meio do áudio. Era um presente muito especial. Meredith dava fitas para Peter apresentando as canções que amava quando tinha a idade dele. Seu último presente foi o Vol. 2, tirado do pacote nos minutos finais do filme. No entanto, a carta que o acompanhava Peter sabia de cor. E o nome Star-Lord veio dela. 




As músicas dessas fitas nos conduzem através dos filmes e nunca soam de maneira artificial, porque a impressão é de que estamos ouvindo o mesmo que Peter Quill naquele momento. Estamos usando o walkman.

Os outros personagens que atravessam a história também compartilham de dores e perda. O vilão Ronan cresceu em meio à guerra dos kree contra o povo de Xandar, lar da Tropa Nova. Sua sede de vingança contra as vítimas da sua espécie é tão grande que ele surta ao saber que os dois grupos assinaram um tratado de paz. Ele fecha um pacto com Thanos para conseguir a retaliação.

No entanto, Ronan e seu exército não são inocentes e também promoveram muita matança. Entre as vítimas, estão a esposa e a filha de Drax, brutalmente assassinadas pelo Acusador. A reação dele foi matar vários soldados kree, e acabou preso, o que não arrefeceu sua vontade de vingar o sangue derramado. Um dos seus alvos acaba diante dele: Gamora.


Ela viajava com Ronan nestes ataques. A última sobrevivente conhecida dos zehoberei, raça dizimada por Thanos. Em suas próprias palavras, viu os pais serem mortos diante dela, foi torturada, fisicamente modificada e transformada em uma arma viva. Gamora é uma “filha” de Thanos e só conhece a morte e a brutalidade.




O modus operandi do titã louco no MCU parece ser esse mesmo. Sua “família” é composta por vários “filhos”, retirados de planetas diferentes e transformados em assassinos por ele. São soldados. Batedores. Outra que aparece no filme é Nebula, uma mulher robótica que também está servindo Ronan. Ela tem muita raiva dentro de si, principalmente de Gamora, o que seria aprofundado na sequência.

Ainda temos Rocket, um guaxinim usado como cobaia, desmembrado e remontado até se transformar em um humanoide com grande habilidade mecânica e bélica. Ele age acompanhado de Groot, árvore viva que só consegue dizer uma única frase. Apesar de gentil e receptivo a maior parte do tempo, contrastando com o permanentemente raivoso Rocket, ele pode ser bem agressivo e letal.

Todos esses personagens vivem e se cruzam em uma espiral de violência. Armas, facas, socos, golpes, crimes, ameaças. A busca pelo dinheiro. As ausências. Entre os cinco Guardiões, Gamora é a primeira a tentar quebrar esse ciclo. O objetivo dela é vender o Orbe (até então nenhum deles sabia tratar-se de uma Joia do Infinito, a do Poder) a Taneleer Tivan, o Colecionador, e escapar de Thanos de uma vez por todas. Como se fosse possível. O que os une é a ameaça da própria destruição, ao tomarem consciência do que a Joia do Poder era capaz de fazer e como seria usada. Rocket pergunta a Peter Quill por que ele quer salvar a galáxia, já que “ela nunca fez nada por ele”, e ele justifica dizendo que “é um dos idiotas que vivem nela”. O que primeiro parecia uma necessidade de salvar única e somente a própria pele acaba ganhando contornos maiores. Primeiro, eles tentam salvar uns aos outros (“Nós somos Groot”), depois, todo o universo. E assim os heróis surgem.

Os Guardiões da Galáxia, como acabam sendo chamados com escárnio pelo vilão, terminam o filme juntos e redimidos de seus crimes, prontos para começarem tudo do zero. É engraçado que, mais adiante, a rede de apoio mútuo e cura (está parecendo conversa de terapia, mas é isso mesmo) que eles acabam formando é uma configuração de família que confronta a de Thanos.

O que mais?


Guardiões da Galáxia é um filme lindo, acho até possível dizer que é o mais bonito do Marvel Cinematic Universe (MCU). O visual dele é arrebatador. Em cada canto que você olhar há algum detalhe único. Claro que é muito mais difícil criar um cenário rico usando efeitos práticos (George Miller, John Seale e sua equipe, por exemplo, merecem todos os aplausos do universo), mas também é preciso valorizar quem consegue pintar verdadeiros quadros usando o computador. Assim, aplausos para Ben Davis, James Gunn e todos os envolvidos.


A história de Guardiões da Galáxia, mais do que a corrida para evitar a destruição do universo, explora as PESSOAS. O roteiro de James Gunn e Nicole Perlman (a primeira mulher a assinar o texto de um filme do MCU) mostra que o universo está cheio de vida fora do núcleo principal. Mesmo que por alguns segundos, temos pequenos recortes destes personagens. 




Quando Peter usa uma lanterna de projeção que reconstitui a superfície do planeta onde ele encontra o Orbe (como no filme Prometheus), é mostrado um flashback do povo que residia lá, uma menina brinca com seu cachorro (Dr. Wesley Von Spears, um dos pets do James Gunn). O que será que aconteceu com eles? Em Luganenhum, crianças abandonadas abordam os heróis e Groot oferece uma flor a uma delas. Na cadeia para onde são levados, uma das detentas chora assistindo a um vídeo dos parentes. A criada do Colecionador se revolta com os maus-tratos, libera o poder da Joia do Infinito e acaba morta. A mulher e a filha de pele rosa que tentam fugir do ataque das necronaves a Xandar são a família do Denarian Dey, da Tropa Nova. Todo mundo importa para alguém.

Como disse na semana passada no texto sobre Capitão América: O Soldado Invernal, o ano de 2014 marcou o início de uma fase em que os diretores dos filmes da Marvel Studios ganharam mais autonomia e passaram a ser reconhecidos tanto quanto os atores. Isso começou com os irmãos Russo, mas ficou mais claro com James Gunn, um verdadeiro fã agindo atrás das câmeras.


Ele trouxe para o MCU um pacote de referências à cultura pop das décadas de 70 e 80, um humor mais escrachado e mais adulto (vide a piada com Jackson Pollock), e a capacidade de fazer o público levar a sério personagens tão bizarros. Ninguém acreditava que um filme de personagens completamente desconhecidos, com uma árvore e um guaxinim entre eles, poderia dar tão certo.


Vindo do cinema independente, as gravações e a vida de Gunn se confundem. Ao longo dos anos, apareceriam nos filmes dele um dos irmãos (Sean Gunn, o Kraglin e captura de movimentos do Rocket), seus pais (no Vol. 2), o cachorro, seus amigos, personagens favoritos dos quadrinhos (Howard, o Pato), ídolos da infância (Sylvester Stallone, Kurt Russell), as músicas que escolheu. Tudo isso ele compartilha com o público nas redes sociais e o fato de falar disso e parecer fazer com tanta alegria gerou identificação com os fãs. Não à toa, ele foi aclamado em sua passagem pelo Brasil durante a CCXP 2016


FICHA TÉCNICA

Guardiões da Galáxia (Guardians of the Galaxy)
Direção: James Gunn
Roteiro: James Gunn, Nicole Perlman. Baseado nos quadrinhos de Dan Abnett e Andy Lanning (veja mais créditos aqui)
Elenco: Chris Pratt, Zoe Saldana, Dave Bautista, Vin Diesel (voz), Bradley Cooper (voz), Michael Rooker, Karen Gillan, Lee Pace, Glenn Close, John C. Reilly Benício Del Toro, Josh Brolin…
Duração: 2h01
Estreia no Brasil: 31 de julho de 2014
Estreia nos EUA: 1º de agosto de 2014
Orçamento: US$ 170 milhões
Bilheteria: US$ 773 milhões
Prêmios e indicações: clique aqui
Fonte: IMDB, Box Office Mojo

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