Avengers: Random & Fandom - Quadrinhos versus Cinema e por que uma adaptação não tem que te agradar


Nota da autora: Peço mil perdões aos leitores! A coluna atrasou, esse texto deveria ter sido publicado semana passada, mas eu tinha um artigo de três mil palavras, dois artigos de literatura de 4 páginas cada para escrever e mais um artigo de cinema de 6 páginas pra terminar. Espero que o meu atraso esteja perdoado :D
Esse texto vai lidar com a questão de adaptação de quadrinhos para cinema, mas haverá prováveis menções de outras mídias (como livros e séries) para ilustrar meus pontos de vistas, mas sem maiores spoilers.


A primeira parte da coluna é quase toda baseada na introdução de "A Theory of Adaptation" ("Uma Teoria em Adaptação", em livre tradução), de uma autora chamada Linda Hutcheon. Antes de me bater, vocês podem tentar procurar o texto original (rs). Eu vou primeiro explicar os conceitos da Linda, para depois apresentar o que a adaptação cinematográfica da Marvel tem a ver com isso, junto com a minha visão pessoal. 

Bom, Linda Hutcheon escreveu um livro sobre adaptação no começo dos anos 2000, quando a onda de adaptações cinematográfica se popularizou/intensificou comercialmente no ocidente. Segundo as palavras da mesma, ela resolveu que o livro era necessário, pois estava cansada de ver as adaptações como algo "secundário", "subordinado" e julgado segundo os princípios de "fidelidade" em relação ao "original". Hutcheon se baseou na ideia da relativização da ideia de fidelidade; segundo ela, julgar uma adaptação em relação ao original já é meio que secundarizar o poder dessa. Segundo Linda, não há um original, mas um texto-fonte, onde a história da adaptação será baseada, mas que a fidelidade não é um requisito fundamental para isso.

Ou seja, segundo a autora, há uma relação entre os dois, mas ela não deve se dar como "um-copiando-o-outro", mesmo porque são mídias diferentes e é impossível reproduzir as sensações de um leitor na tela do cinema/TV e vice-versa. São mídias diferentes, são obras diferentes.

O que quer dizer, para Hutcheon, que não, uma adaptação não tem que agradar o fã do "material-fonte". she's not caring about your feelings.

O que me levou a escrever essa coluna e falar da Hutcheon pr'ocês é justamente porque me assusta o xiitismo dos fãs de quadrinhos (especialmente dos fãs homens, que acreditam que sua visão heteronormativa & patriarcal deve ser reproduzida com grande exatidão nas telonas). Qualquer coisa que não obedeça aos quadrinhos ou fuja minimamente do original é imediatamente crucificado. Vi críticas nas adaptações da Marvel, de que Scarlett Johansson não era "russa o suficiente" (se a gente inserir multiculturalismo aqui, esse povo tá ferrado), de que o Chris Hemsworth não era "másculo o suficiente", entre outros disparates. Mas essa é a visão da Marvel pro cinema; foi assim que o diretor decidiu representá-los e ele não tem a obrigação de agradar o séquito de fãs dos quadrinhos, mesmo porque ele visa um público muito maior.



Como leitora e fã que participa ativamente de vários fandoms, mas que também se tornou uma pesquisadora de cinema, séries, livros e HQs da cultura pop ocidental, é difícil escolher uma única posição. Nesses anos todos, eu passei a concordar com a Hutcheon na questão de enxergar versões, mas eu também ainda sou uma fã que gosta de uma certa fidelidade.

De verdade, eu acho que a solução para isso é o equilíbrio, de parte dos adaptadores e dos fãs. Por mais que os diretores não tenham obrigações em agradar o fandom original, você pode encontrar formas de harmonizar o original com a liberdade adaptativa da versão para outra mídia, geralmente os melhores resultados vem do diálogo entre o diretor/produtores executivos com o autor do material-fonte. Como na adaptação de Neil Jordan, junto com a Anne Rice, de Entrevista com o Vampiro (1994). Os fãs dos livros da Rice são unânimes em relação a amar uma adaptação que suprimiu e mudou muito do original. 


Mais recentemente, Bryan Fuller, atuando junto com Thomas Harris, readaptou a história do psicopata canibal lindo cute cute da mamãe meu amor Hannibal Lecter, e conseguiu espantosamente agradar os fãs dos livros E dos filmes. Fuller estava numa área pior do que a maioria. Ele tinha um material-fonte dos livros já adaptado pro filme e ousou trazer a história de Hannibal pra outro período de tempo, mudando muitas coisas radicalmente e com outros elementos muito diferentes. Fuller, no entanto, conseguiu manter a estética Hannibalesca viva, conseguiu manter a aura da loucura insanamente sedutora do canibal de Hopkins acesa e agradou os fãs dos livros e dos filmes, também conquistando novos fãs cuja primeira referência sobre Lecter será a série.


Em relação a Marvel, eu realmente admiro o modo como os diretores-executivos conseguiram aproximar a narrativa do quadrinho a do cinema. É algo quase inigualável em termos de conseguir montar arcos e trazer uma linguagem de filmes que dialogam entre si e fazer tudo isso culminar em algo que, para mim, será inigualável na história da adaptação cinematográfica: A Guerra Civil. 


Claro, a Guerra Civil da Marvel, nos cinemas, vai ser alvo dos fãs xiitas. Vão reclamar da "infantilização", da falta dos elementos mais adultos e subversivos. Fãs que não entendem que não é apenas o mesmo público dos quadrinhos que vai ver o filme. Tenho um sobrinho de 4-5 anos que é louco pelo Tony Stark. Será que é saudável que ele veja o Tony das HQs da Guerra no cinema? Claro que não! Tem que ter filtro sim. Estamos falando de públicos diferentes. Os fãs deveriam aprender a ser mais flexíveis, entender que são mídias diferentes e contextos diferentes. Vai haver fidelidade? Em certa medida sim. Mas é mais fácil haver liberdade que fidelidade numa adaptação.

Então, não, uma adaptação não tem a obrigação de te agradar. Ela pode fazer isso, e todos saem ganhando. Ou não. 

Mas cada vez que você se sentir ofendido, lembre-se que o texto-fonte estará lá. E você pode revisitá-lo e reimaginá-lo quantas vezes quiser.

E, no final, você também estará adaptando. ;)

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