MCU Revisitado – Thor: Ragnarok





Se é difícil falar sobre um filme que você não gosta, falar sobre um que você gosta MUITO pode ser mais difícil ainda. Não importa o quanto você escreva a reescreva, nunca vai achar que fez justiça. Quis abrir com este tweet porque foi exatamente minha reação quando as luzes se acenderam na sala. Acho que eu não estava acreditando que tinha visto um bom filme do Thor. Não encaixava. Tive que assistir uma segunda vez para ter certeza. E uma quinta para escrever este texto.

Os filmes do Thor sempre deixaram a desejar, o que não ajudou o público a desenvolver empatia por ele ao longo desses anos. Até porque o personagem era coadjuvante dos próprios filmes. 


Se O Mundo Sombrio penou com as intervenções do estúdio, Ragnarok cresceu porque eles simplesmente deixaram o povo fazer o que quiser. Talvez por não se importarem com o personagem? Talvez porque dar palpite não tinha funcionado nos últimos anos e não custava nada tentar? Fato é que conseguiram entregar o melhor filme da trilogia do Thor (na última parte, uma pena) e alcançar inacreditáveis 100% de aprovação na abertura das críticas do Rotten Tomatoes (atualmente, 92%, terceira maior aprovação do MCU no site). 

Muito disso se deve a dois caras (além dos roteiristas e grande elenco): o diretor, Taika Waititi, e o próprio Chris Hemsworth, Thor himself, que tinham mais coisas em comum do que o signo do zodíaco. Ambos estavam cansados do Thor e queriam fazer alguma coisa completamente diferente com ele. A dupla já se conhecia de outros carnavais, mas Chris, assumidamente fã dele, preferiu guardar segredo para não influenciar nas negociações quando o filme ainda estava em pré-produção.

Do cinema independente, Taika trouxe o improviso – 80% das falas foram inventadas na hora; além do Korg, ele faz a captura de movimentos de outros personagens; alguns conhecidos foram chamados para fazer pontas, desde Matt Damon às esposas dele e do Chris – e o humor que aparece em todos os seus filmes. Isso não agradou muita gente, porque o nome Ragnarok, a morte de Asgard e todos que nela habitam, não combina com risadas. Mas, desta vez, a Marvel Studios quis assumir que os filmes do deus do trovão são uma comédia. Então, melhor fazer uma comédia que prestasse.

Fora isso, ele e os produtores conseguiram juntar uma equipe técnica que construiu um filme lindo de se ver. Uma grande homenagem ao Jack Kirby, que deu vida ao Thor e todo o universo em volta dele. Thor: Ragnarok literalmente transforma desenhos dele em coisas reais, o que ajudou a criar a atmosfera meio Alice no País das Maravilhas ("Nada faz sentido aqui. A única coisa que faz sentido é que nada faz sentido"), meio O Mágico de Oz do longa. E ainda tem a sutileza da trilha sonora que muda de um lugar para o outro. Quando estamos em Asgard ou Midgard, as músicas são as que estamos acostumados a ouvir nos filmes do Thor. A partir do momento em que a câmera viaja da Bifrost para Sakaar, há uma transição incrível envolvendo os sintetizadores de Mark Mothersbaugh, do Devo, grande banda de new wave/synth pop dos anos 80. É exagero falar que é meio como no filme do Mágico de Oz, quando sai do preto e branco/sépia para o technicolor? É exagero, mas vou deixar assim mesmo. Amo sintetizadores.

Há pelo menos dois momentos em Thor: Ragnarok em que personagens dizem que não querem se envolver nos problemas da família de Odin. Primeiro a Valquíria, depois Bruce Banner. E pior que é mesmo: a trilogia do Thor pode ser considerada um grande dramalhão da família real asgardiana e seus barracos de proporções cataclísmicas. Quando as coisas começaram a ir mal dentro das paredes daquele palácio, os Nove Reinos pagaram e sobrou para quem não tinha nada a ver com aquilo.

Tentarei explicar em ordem cronológica: havia Odin, e Odin era um tipo de colonizador espacial, com todas as invasões, depredações, assassinato e violência que se subentende pelo termo. Ao seu lado, filha Hela que, creio eu, era mais uma entidade criada por ele do que uma filha biológica. A deusa da morte era sua executora e general. Portadora do Mjolnir (!), saía por aí cumprindo as ordens do Pai de Todos. Odin tinha orgulho do que era e fazia. Construiu Asgard com todo o ouro saqueado, enchendo um cofre com relíquias – e falsificações -, enterrava seus soldados caídos sob o palácio (uma grande honra) e, com muito orgulho, exibia suas conquistas em afrescos como o do teto da Capela Sistina, só que mais carregado nas tintas vermelhas. 


Um belo dia, por motivos que jamais saberemos, ele botou a mão na consciência e percebeu que aquilo tudo era muito errado. Odin parou sua expansão agressiva, decidiu se aquietar lá em Asgard mesmo, agindo como um rei sábio & benevolente, ter um menininho. Claro que Hela não gostou nada disso e rodou a baiana naquele piso encerado. Como assim não pode matar ninguém? Odin mandou um “mas cê tá brava?” e baniu a danada pra bem longe, pra outra dimensão, um lugar que não se explica, que nem existe, etc.

Aí Odin jogou um chapisco no teto, mandou pintar as coisas bonitinhas da vida dele, olha minha esposa, meus filhos, meus tratados de paz, que beleza. Mas, apesar de tudo, as confusões continuavam acontecendo. Claro, a vida é isso mesmo. Na guerra contra os gigantes de gelo, ele achou o bebê Loki jogado do barranco e levou pra casa 1) Com dó 2) Pensando em fazer a paz com o Laufey por meio do menino de dupla cidadania. Mas, vamos fazer segredo. Bom, Loki nunca foi muito certo, ainda calhou de ter uns gostos parecidos com o da Hela (coincidência) e no dia que descobriu sua origem, deu no que deu.

Ah, mas também tinha o Thor, seu “PRIMOGÊNITO” lindo, loiro e muito digno (O ÚNICO capaz de erguer o Mjolnir, veja bem). Meio babaca também, pavio curtíssimo. Após uma sabotagem do Loki, Thor caçou confusão com quem não devia, atrapalhando o tão prezado tratado de paz do Odin, ainda gritou com o homem. O que aconteceu? Foi banido igual à Hela. Só que não pra uma dimensão desconhecida. Pra Terra mesmo. Se a gente consegue viver aqui, ele também conseguiria.

Aí aconteceu Os Vingadores, Thor: O Mundo Sombrio. Clica nos títulos aí pra recapitular e este texto não ficar muito grande.

Quando a gente chega a Thor: Ragnarok, nosso herói está meio que na casa do capeta pra tentar descobrir por que sonha todos os dias com Asgard em chamas e Surtur lá no meio. Ele consegue voltar pra Asgard e, olha o que ele encontra:Loki se passando por Odin há dois anos, comendo uvinhas e, como disseram no Tumblr, exercendo seu governo baseado em políticas de não agressão e incentivo à cultura (algo assim). Loki escondeu Odin em um asilo na Terra, mas o feitiço acabou o velho se mandou do lugar. 



Quando seus filhos finalmente o encontram, ele faz a coisa mais Odin possível: solta a bomba e some!  Igual quando Loki foi confrontá-lo com essa história de adotado e ele caiu dormindo! :D Mas, coitado do Odin e dos meninos, vamos lá: Loki e Thor o acham convenientemente nas últimas, só dando tempo de falar “eu vou morrer, não adianta fazer nada, a Hela SUA IRMÃ vai aparecer aqui agora, cês se lascaram, estou ouvindo sua mãe me chamar no além, amo vocês DOIS (Loki incluso), meus filhos, adeus”.

Apesar disso tudo, até gosto do Odin dos filmes. Olha só, se não fosse ele as coisas não aconteciam. Odin, suas escolhas erradas e o jeito “deixa baixo” de levar a vida nos trouxeram até aqui! :D

Assim como em todos os filmes do Taika Waititi, ele está te contando uma história super triste, abordando coisas bem sérias, mas você tá rindo tanto que nem percebe. Veja bem o Thor, até então o único personagem do Marvel Cinematic Universe que ainda tinha aquela família estruturada de propaganda de margarina, mas que foi se desfazendo um filme por vez: é expulso pelo pai, traído e constantemente enganado pelo irmão, depois a mãe é assassinada na frente dele, fica dois anos sem ver o pai e encontra-o à beira da morte. Seus melhores amigos também são mortos (menos Lady Sif, que está no Canadá, aparentemente). Hela destrói o Mjolnir, praticamente uma extensão do seu corpo e o que ele ACHAVA ser sua única arma e fonte de poder (mais uma coisa que Odin não avisou), fica perdido, escravizado. Até o cabelo dele cortam. Perde um olho também! Acontece tanta coisa que quando ele perde o olho nem tá ligando mais, igual àquelas pinturas da Idade Média que viraram meme.

Mais do que um piadista, quando encontramos Thor no início deste filme ele está tomado por um sarcasmo e ironia que não existiam ali antes, ou não naquela intensidade. Ele cansou de levar pancada, mas tem mais pancada por aí. Pensa no final, quando ele vê Asgard, sua casa e a de milhares de pessoas, explodir. Explosão causada por ele. Thor, que não queria ser rei, inevitavelmente acaba no trono com todas aquelas vidas desabrigadas sob sua responsabilidade. E, apesar de tudo, ele continua um otimista incorrigível.

Hela, uma força da natureza, entra na história pra expor aquela longa lista de mentiras e omissões que citei ali em cima e fazer o povo sofrer. O papel dela é extremamente importante pra mostrar que nem tudo é tão bonitinho quanto parece. Ela também traz à tona uma discussão sobre o apagamento da história e como passar uma borracha em tudo pode ser prejudicial. Arrastado por ela vai Skurge, um cara de origem humilde, mas muito ambicioso, que acaba se envolvendo em coisa errada para salvar a própria pele e, no final, se arrepende. 





Temos a Valquíria (em letra maiúscula, já que não sabemos seu verdadeiro nome), do exército de guerreiras asgardianas enviado para deter Hela da primeira vez e que vê absolutamente todas as pessoas morrendo ao lado dela, morrendo NO LUGAR DELA, mas sobrevive. Carregada pelo trauma, sabe-se lá como, vai parar em Sakaar, onde se ocupa de capturar escravos para a arena do Colecionador e ficar bêbada até algum órgão importante parar de funcionar (o que para um asgardiano pode levar muitos séculos). Valquíria não está vivendo, apenas existindo.


Desses todos, talvez quem se encontra em melhor situação é o Hulk, que está no melhor momento da sua vida aumentando o vocabulário, sendo mimado e ganhando aplausos e gritos quanto mais destruição causa. Mas, dentro dele (antes era o contrário), existe Bruce Banner, que perdeu dois anos da sua vida tal como se estivesse em coma. Imagina só acordar em outro planeta, no meio de uma “guerra” e com o cérebro – sua ferramenta mais poderosa – funcionando mal?


E se você achou que eu não falaria do Loki, achou errado. Já assistiu O Fantástico Senhor Raposo? Conhece a fábula do sapo e do escorpião?  A gente sabe que Loki é invejoso, vingativo, mentiroso, trapaceiro, violento, sempre consegue um jeito de sair por cima em qualquer situação. Mas, em Thor: Ragnarok, ele parece ter uns lapsos de tentar fazer o que é certo. Loki sente culpa pelo que fez com Odin, sofre por sua morte (ou estaria simulando, nunca se sabe?). Fica triste quando Thor, apesar de deixar claro que sempre teve no irmãozinho sua pessoa favorita, acha uma ótima ideia que eles se separem de vez porque, afinal, a proximidade entre eles nunca daria certo. E no final ele ajuda a salvar os asgardianos.


No entanto, assim com o escorpião da fábula e o Senhor Raposo, ele simplesmente não consegue abandonar velhos hábitos, mesmo que isso coloque em risco sua própria vida e a dos outros. Chega a ser patológico. É como se fosse um vício, um reflexo, algo além do controle dele. Ficou tão previsível que, desta vez, após vários anos, até Thor já sabia o que Loki iria fazer. E, ao que tudo indica, isso vai arrastá-los para a morte porque Vingadores: Guerra Infinita deve começar EXATAMENTE onde termina aquela cena do meio dos créditos...


FICHA TÉCNICA


Thor: Ragnarok (Thor: Ragnarok)
Direção: Taika Waititi
Roteiro: Eric Pearson, Craig Kyle, Christopher Yost, Stephany Folson. Baseado nas obras de Stan Lee, Larry Lieber e Jack Kirby
Elenco: Chris Hemsworth, Mark Ruffalo, Tessa Thompson, Tom Hiddleston, Cate Blanchett, Karl Urban, Jeff Goldblum, Anthony Hopkins, Benedict Cumberbatch, Taika Waititi, Idris Elba…
Duração: 2h10
Estreia no Brasil: 26 de outubro de 2017
Estreia nos EUA: 3 de novembro de 2017
Orçamento: US$ 180 milhões
Bilheteria: US$ 854 milhões
Prêmios e indicações: clique aqui
Fonte: IMDB, Box Office Mojo



Recadinho: caro leitor, chegamos à semana de estreia de Vingadores: Guerra Infinita! Até o momento da publicação deste texto, não consegui uma cópia de Pantera Negra para assistir outra vez. Por conta dessas duas coisas, terei que dar uma pausa no MCU Revisitado. Enquanto não sai o texto sobre o filme solo do T'Challa dentro do especial, você pode conferir o meu "O melhor e o pior de Pantera Negra (COM SPOILERS)" e "Entre Pantera Negra e Atlético Mineiro, os humilhados são exaltados", da Gabriela Rosa. Obrigada por acompanhar e até mais!

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