Avengers: Random & Fandom - Hulk e Frankstein, ou os Prometeus Modernos

Avengers: Random & Fandom

Hulk e Frankstein, ou os Prometeus Modernos




Você me odeia, mas seu ódio não pode igualar-se ao que eu próprio dedico a mim.

Mary Shelley - Frankenstein


Meu coração fora tomado de angústia e desespero. Dentro de mim, sentia um inferno, que nada podia aplacar.

Mary Shelley - Frankenstein

  • Tema de hoje: A monstruosidade dentro e fora de alguém. O monstro e o humano são assim tão diferentes? Quem é responsável por quem? Agradeço em especial a minha amiga, Beatriz, que basicamente deu a ideia para a coluna de hoje então, se vocês não gostarem, culpem a ela rsrsrs.

  • Adendo: Beijão para as meninas do Robert Downey Jr. Brazil que criaram uma coluna inspirada na nossa, foi uma grande honra servir de inspiração. *-* Sucesso! <3

A questão da monstruosidade é algo peculiar na história humana.

Os monstros remetem às mitologias. Quase todos os povos têm em seu coração cultural alguma história sobre um monstro. Essa história tinha um fim social, via de regra, como proibir ou inibir os indivíduos ou o coletivo de transcender normas estabelecidas, assustar, servir como exemplo de punição. Cito aqui o exemplo da crença que a Igreja e os navegadores tinham de que os mares desconhecidos entre a Europa e os outros continentes eram povoados por monstros.

Mais tarde, Tzvetan Todorov um lindo que sempre me salva em artigos científicos da faculdade, filósofo e linguista búlgaro, disse em seu magnífico "Introdução à literatura fantástica" que os monstros (vampiros, lobisomens, etc) eram metáforas e personificações de pontos transcendentes da natureza humana; a morte, a sexualidade, etc. Ou seja, como se fossem uma personificação do que nós não entendemos/dominamos completamente. 

Juntando tudo isso, os dois conceitos, o conceito primal de monstro como alegoria com função social e o de Todorov, o de personificação metafórica daquilo que não compreendemos de todo,  temos o monstro como uma entidade à parte. O sobre-eu: uma sombra temível banhada numa espécie de sensualidade sombria. Algo que é repulsivo e atraente.


Uma jovem de 19 anos certa vez criou um monstro. Dois monstros, um humano e outro não (ou quase). Victor Frankstein e sua ambição fria e desmedida deram vida, com energia, a junção de pedaços de mortos e daí nasceu um monstro chamado Frankstein, em homenagem a seu "pai". Mas a criatura semi-zumbiesca não era em si mau. Ao contrário, Frankstein carregava de certa forma uma ingenuidade digna de um bebê recém-nascido. É a convivência com Victor e a humanidade podre que o cerca que corrompe e torna a criatura agressiva. A história toda acaba em tragédia, mas a relação criador-criatura é marcante. É uma relação de paternidade renegada, uma relação de amor e pena acompanhado de ressentimento e ódio, de ambas as partes.

Stan Lee usou não só Shelley, como também o famoso Médico e o Monstro de Stevenson, para compor, séculos depois da história da jovem britânica, para criar outro monstro: Hulk. Ao contrário de Victor e seu monstro elétrico, o monstro, agora obedecendo ao Dr. Jekyll e seu alter-ego, Mr. Hyde, vive em um corpo só. O monstro verdão é despertado com a fúria do eu-humano. Todorov diria que Hulk é a personificação da fúria inumana, algo próximo a própria fúria primal da natureza, é a personificação da besta, da fera, que ainda mora em algum lugar sombrio de nossas mentes. Então, quando Bruce Banner se descontrola, Hulk aparece para materializar toda a fúria descontrolada.

A questão das relações Bruce-Hulk e Victo-Frankstein é peculiar. Ambas guardam um quê de culpa, embora Victor tenha criado voluntariamente o monstro e Bruce não tenha feito essa escolha. É como se o eu-humano tentasse, ao máximo possível, resguardar o monstro. Como se tentasse escondê-lo para remediar ao mundo, de alguma forma, o terrível erro. É como quando éramos crianças e não queríamos olhar de baixo da cama de noite, pelo bicho-papão.  Tínhamos toda certeza do mundo que ele estaria lá e por isso não queríamos olhar, como se isso fosse destruir a sua existência. O não-olhar de Bruce e Victor é uma tentativa cega e involuntária de negar o monstro, a constante tentativa da civilização de negar seu lado bestial.

Ao mesmo tempo, os dois monstros são bem diferentes. Frankstein se torna uma criatura má e agressiva como resposta à sociedade violenta e corrupta que o repudia. Hulk não tem consciência dessa sociedade e está se lixando para ela, pois pode quebrá-la. Um é o puro reflexo do meio em que vive, o outro é a besta selvagem avessa ao meio que vive. Ambos se tocam no ponto de que é sua natureza não-humana que os faz ser excluídos e temidos. 

É nesse ponto que ambos viram os "Prometeus Modernos" (subtítulo da obra de Shelley, que uso em livre adaptação aqui); Prometeu foi aquele que trouxe fogo a humanidade e por isso foi punido pelos deuses pela eternidade, tendo seu fígado (infinito) sendo (infinitamente) comido por uma águia no topo de um monte isolado. Prometeu acorrentado é a imagem de Hulk-Frankstein, para mim. 


Isso por que foi a transcedentalidade do ato de Prometeu que o condenou a seu eterno castigo. É a transcedentalidade da natureza de Hulks-Bruce e Frankstein que os faz ser eternamente julgados e condenados. É a sua natureza, como foi o fogo, no mito original, que os faz ter o castigo. 

Uma águia devorando a si mesmo. Todo o tempo. E a águia agora não é nenhum bicho de estimação do Olimpo, mas os outros seres humanos ao redor.

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Sobre a autora: Yasmim Yonekura, estudante de Letras Língua Inglesa na Universidade do Estado do Pará, e monitora na mesma. Escreve a Coluna "Avengers: Random & Fandom", que é publicada quinzenalmente às sextas-feiras e busca misturar universo de filmes e, às vezes, HQs da Marvel com temas dos mais diversos, do corriqueiro ao filosófico. Apaixonada pelo Capitão América, pelo Batman, boa literatura, boa música e pelos caras errados. Todos os comentários, dúvidas, opiniões, contribuições e sugestões para a coluna são bem vindas, me ache no Facebook ou pelo e-mail, ainda tem o Twitter.

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