Avengers: Random & Fandom - Problematizando a representação feminina no cinema de "Super Herói"




Gostaria de pedir desculpas pelo atraso na coluna, mas foi algo que exigiu muita reflexão e muito critério na forma de escrever e de organizar meus pensamentos, pois o estopim para coluna foi um assunto complicado.

Todos soubemos do episódio em que Chris Evans e Jeremy Renner chamaram a Viúva Negra de "vadia" (slut e whore, que são sinônimos para designar uma mulher "promíscua"). O episódio levanta questões delicadas que já foram abordadas de forma similar num artigo da Gabriela Rosa sobre o assunto.

Talvez vocês pensem que ambas as colunas são muito parecidas, mas eu gostaria de expor outros exemplos cinematográficos e das HQs para mostrar como o problema na fala dos meninos é muito mais profundo e tenso do que imaginamos.

Mas primeiramente vamos comentar o episódio em si, que acho que foi, no mínimo trágico. A equipe do blog discutiu isso no Whatsapp e chegamos a várias conclusões, porém eu concordo fortemente com o que a Cris falou: os atores (Renner e Evans) não tem consciência que boa parte do seu público consumidor É feminino e que admira a Natasha/Viúva. Boa parte do fandom realmente ativo, que coloca dinheiro na conta deles, é feminino, é adolescente-jovens adultos e tem um background universitário e feminista, ou pelo menos, busca alguma liberdade (inclusive sexual) na sua vida. Eu me incluo nesse meio. 

A parte masculina do fandom é mais velha e geralmente está mais interessada nos personagens que nos atores. Quem agrega na questão fama, porém, somos nós, as mulheres. E dizer para mulheres que uma mulher que elas admiram e até se comportam de forma parecida é no mínimo dar um soco bem no meio da cara do seu público-consumidor. É um tiro no próprio pé.

Mas a questão é que o que os dois disseram é algo naturalizado, institucionalizado até, eu diria. É a ideia de vincular o "mérito" de um indivíduo do sexo feminino a sua vida sexual. 



Para entender isso, eu vou usar a ideia de uma filosofa chamada Judith Butler: Gênero é performance. Ou seja, a atuação de um indivíduo conforme "normas pré-estabelecidas" define seu gênero. Butler diz que devido a questões de poder e por vivemos em uma sociedade falocêntrica e patriarcal, convencionou-se rotular normas "mais rígidas" a serem reproduzidas por indivíduos do "sexo feminino" para que sejam socialmente aceitas. Entre essas regras está a monogamia que daria valor a uma mulher, enquanto que a promiscuidade tiraria esse valor. 

Essas "regras de gênero" são muito fortes porque antigamente, há dois séculos atrás por exemplo, era importante para um indivíduo do sexo masculino ter uma linhagem genuinamente sua para perpetuar o poder e nome da família. Claro que uma mulher que fosse "contra" essa "regra" seria mal vista e socialmente punida. 

Isso aconteceu na nossa sociedade por tanto tempo, que foi naturalizado na mente de indivíduos de ambos os sexos. Por isso, no episódio de Renner e Evans vimos muitas fãs mulheres defendendo ambos. A regra foi seguida e reproduzida tão intensamente que adquiriu o falso tom de "verdade universal".

Vamos a Natasha Romanoff/Viúva Negra. Originalmente uma espiã da KGB, Natasha foi criada para ser uma arma mortal e nas HQs, seu corpo é uma arma em termos de artes marciais e sexualmente também. Ou seja, Natasha já "quebra" a regra de gênero da monogamia pela sua profissão como espiã. 

No cinema, uma atriz muito sensual foi escolhida para interpretá-la: Scarlett Johannson. A escolha da Marvel não foi inocente nem aleatória. Scarlett tem um apelo tão forte no público masculino que muitos comparam-na com a mais poderosa estrela de Hollywood, um ícone sexual eterno, Marilyn Monroe.


A Viúva então, tanto na gênese da HQ quanto na cinematográfica, já é concebida como um símbolo sexual para o público masculino. O fato de ela ter tido 3 interesses amorosos e exercer sua liberdade sexual quebrando a "regra da monogamia" na cinematografia da Marvel faz com que ela seja socialmente punida carregando a pecha de "puta", como Evans e Renner a definiram. E garanto que a maioria do fãs homens vai concordar em gênero, número e grau com eles, sem titubear.

Porque a monogamia feminina foi naturalizada, institucionalizada, fomos criadas ouvindo que devemos esperar o "homem certo". Quando crianças víamos o "príncipe encantado" e ansiávamos por ele. Por isso mesmo que quanto mais refletirmos, escrevermos e problematizarmos o assunto mais percebemos o quão absurdo é naturalizar e dizer que o que ambos disseram é "apenas uma brincadeira". Não é, é uma norma social convencionada que deve ser questionada.

Isso bate, porém e também, na questão da mulher na HQ e no cinema de "Super Herói". São mulheres para homens. São mulheres em terceira pessoa. São mulheres anatomicamente impossíveis, que não sentem cólica e nem tem celulite na bunda. Vamos a outros exemplos, tanto da DC quanto na Marvel.


Talvez a primeira mulher dos quadrinhos que encontrei na vida: Selina Kyle da Michelle Pfeiffer. Amo, adoro a Selina da Michelle e sempre amarei. Mas realisticamente, vamos lá... Se você fosse uma ladra que escala prédios e pula telhados, ia sair numa roupa totalmente justa e apertada que limita seus movimentos?  Ou iria lamber o cara que tá tentando te prender? 


A imagem acima é da Red Sonja, dos quadrinhos de Connan, o Bárbaro. Ela é uma guerreira cuja tarefa pessoal é vingar a morte da sua família e também a violência sexual que a própria Sonja sofreu. Claro, óbvio que ela tem que usar um biquíni ultra sexy para realizar essa tarefa -ironia. 

Eu poderia seguir a lista e falar como a Tempestade (Ororo) de X-Men foi embranquecida e sexualizada ou como os uniformes de quase todas as super heroínas são milimetricamente projetados para exporem suas curvas perfeitas. Mas isso tudo seria material para um mestrado ou doutorado e acho que o texto da Gabi foca melhor nessa questão. 

Então, não defendam o Evans e o Renner. Admitamos, por mais que os admiremos e adoremos o trabalho de ambos dentro e fora da Marvel, que não é correto julgar alguém pela sua vida sexual e/ou romântica. Seres humanos são mais do que isso.

Só um adendo: Não quero dizer que mulheres não possam ser sensuais nas HQs e nos filmes delas oriundos, mas que elas não deveriam ser isso. São seres humanos com vidas e histórias próprias que devem e merecem ser contemplados em sua plenitude. 

Vou deixar uma reflexão pra vocês terminarem a coluna, para o que venho tentando dizer: listem mentalmente quantos filmes solos de heroínas, anti-heroínas ou vilãs, oriundas de HQs, nós temos na cinematografia dos super heróis, da DC ou da Marvel, atual.

Boa noite.

Um comentário:

  1. Iria adorar ver você escrever sobre os ataques à Gal Gadot (a próxima mulher maravilha) por ela não ter a "anatomia impossível". Pena que o Blog é focado mais na Marvel. Essas discussões são interessantíssimas.

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